O Tributarista, professor João Miguel Silva, detentor do título “Contabilista Emérito” de 2006 pelo Sindicato dos Contabilistas de São Paulo-Sindcont-SP, um dos mais conceituados especialistas em tributos do País e também co-autor do texto da Reforma Tributária, juntamente com o economista Paulo Rabelo de Castro, presidente do Instituto Atlântico, apresentado aos parlamentares em 2023, dá uma verdadeira aula, exclusivamente aos leitores da Revista Mensário do Contabilista, sobre as aprovações referentes à regulamentação de parte da reforma tributária. Acompanhe:
Com a aprovação do texto de regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, já é possível vislumbrar o que vem pela frente?
JMS Sim, na medida que já foi publicada a Emenda Constitucional nº 132 em 2023, que serve de linha mestra para o detalhamento e regulamentação operacional do IBS-CBS-IS cuidada agora pelo PLP 68/2024, aprovado na Câmara dos Deputados e pendente de análise pelo Senado Federal.
A Reforma Tributária será uma revolução tributária e as empresas devem se preparar para isso. As mudanças serão radicais, tanto no cumprimento das obrigações principais, quanto das obrigações acessórias, no que diz respeito à tributação sobre o consumo. O corpo tributário brasileiro foi tomado por agentes deletérios no tempo, tornando-o moribundo, em especial na sistemática de tributação dos agonizantes ICMS e ISS. Os profissionais da contabilidade que apuram estes dois tributos sabem da insanidade de suas sistemáticas.
No campo das obrigações principais, teremos a revogação do tributo estadual ICMS com os seus correspondentes 27 regulamentos, bem como a revogação do ISSQN com os mais de 5.500 regulamentos municipais. Em substituição teremos um tributo subnacional (denominado IBS – imposto sobre Bens e Serviços) de competência tributária compartilhada a ser administrada pelo Comitê Gestor do IBS (a criação deste órgão é objeto de outro PLP, de nº 108/2024).
Já no âmbito das obrigações acessórias, entrará em cena a nova era da declaração pré-preenchida do IBS (extensível ao novo tributo federal CBS).
Na prática, as empresas e os profissionais devem se preparar para um novo mundo digital tributário, pois o contribuinte do IBS-CBS ficará com a incumbência apenas de preencher corretamente as notas fiscais de venda de bens e serviços, sendo que o processamento de todas as notas fiscais emitidas nas 27 unidades federadas e a apuração do IBS-CBS serão realizados pelo novo Comitê Gestor, por intermédio de sua plataforma digital, órgão esse que encaminhará um extrato fiscal (declaração pré-preenchida) para os contribuintes validarem a apuração dos dois tributos. Após validado, com os ajustes, se houver e se aprovado, o Comitê Gestor gerará as guias do IBS e da CBS para recolhimento dos contribuintes. Trata-se de verdadeira mudança de paradigma.
Muitos questionamentos vêm sendo feitos sobre os benefícios, pontos negativos e o que vai mudar efetivamente na vida dos brasileiros. Quais as vantagens até agora para o consumidor e empresas?
JMS: Como ponto positivo, destaco a simplificação do sistema tributário, diante da complexidade e da burocracia atual. Haverá a facilitação no cumprimento de obrigações acessórias fiscais por parte das empresas. Viveremos a Nova Era da Declaração Pré-preenchida, como antes dito.
Além disso, destaco a transparência para o consumidor do quantum efetivo de IBS e CBS pagará em suas aquisições, uma vez que os tributos serão destacados e recolhidos “por fora”.
Afora isso, encerra-se a guerra fiscal entre os estados, como também entre os munícipios, permitindo aos empresários se concentrarem efetivamente na gestão de seus negócios, sem identificar os tributos sobre o consumo como instrumento de competição ou diferencial para os seus produtos ou serviços oferecidos ao mercado.
E as desvantagens?
JMS: Como desvantagem, vale ressaltar o aumento da carga tributária para alguns setores, dependendo das mudanças a serem aprovadas (ao final pelo Senado Federal), o que pode impactar negativamente acerca do crescimento dessas atividades. As empresas e os profissionais devem afastar a ingenuidade de que não haverá aumento de carga tributária com a Reforma. De fato, não haverá aumento de carga média em uma análise nacional em relação ao PIB, porém, certo será a mudança segmentada da carga tributária, entenda-se diminuição de tributação para alguns e aumento para outros setores da economia.
Além disso, temos que destacar a questão do custo relevante de implementação das mudanças tributárias (na transição), em que o contribuinte terá que conviver por muitos anos a transição dos velhos para os novos tributos.
Se formos colocar as vantagens e desvantagens em uma balança, o que ganha?
JMS: Numa análise macro, nos âmbitos econômico e jurídico, aparenta-me, em primeiro plano, que teremos mais vantagens, “batendo na trave”. A Reforma Tributária não reduz a escorchante carga tributária sobre o consumo no Brasil, diferentemente de outros países, mas essa não era o seu objetivo, buscando apenas a simplificação tributária.
Não temos uma reforma estruturante ideal, mas possível. Deveria haver uma reforma conjunta sobre o consumo, renda e propriedade, e antes disto, uma reforma administrativa, em prol de um estado mais eficiente, da justiça tributária, da diminuição das desigualdades sociais e em favor de maior celeridade do desenvolvimento econômico de nosso país, tornando as empresas brasileiras mais competitivas em um mercado globalizado, por decorrência, gerando mais empregos e riqueza para todos.
Não favorece o Brasil a reforma apenas pelo lado das receitas (reforma tributária), sem a reforma pelo lado das despesas (reforma administrativa). Batalhemos agora pela rápida tramitação no Congresso da Reforma Administrativa do Estado brasileiro, o qual não cabe no bolso de seu povo.
A reforma tributária vai simplificar, de fato, as obrigações acessórias para as empresas?
JMS: Sim, prevê o PLP 68/2024 que as obrigações acessórias a serem cumpridas pelas pessoas jurídicas serão uniformes em todo o território nacional e harmonizadas operacionalmente pelo Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (com atuação conjunta de representantes do Comitê Gestor do IBS e da RFB).
Qual é o cronograma para a implementação da reforma tributária?
JMS: Resumidamente: (a) em 2024, encerraremos a discussão e aprovação da regulamentação da reforma tributária (PLP nº 68/2024 E PLP nº 108/2024, ambos em trâmite no Congresso Nacional); (b) em 2026, inicia a cobrança “teste” do IBS e da CBS; (c) em 2027, o PIS e a COFINS estarão extintos, entrando em vigor terminantemente a CBS; (d) em 2028, mantida a cobrança inicializada do IBS e da CBS; (e) entre 2029 e 2032, redução do ICMS e do ISS, com a implementação gradual do IBS. Assim, para o contribuinte, em 2033 o novo cenário tributário estará perfectibilizado e seguirá em pleno vapor.
Imposto de Renda: diante da reforma tributária, haverá alguma alteração nesse que é um dos principais impostos do Brasil?
JMS: O imposto sobre a renda não foi alterado neste momento. A Emenda Constitucional nº 132/2023 não altera a tributação do imposto de renda, entretanto, haverá impactos indiretos, por exemplo, ao mensurar o total dos tributos dedutíveis no novo contexto tributário comparando com o cenário anterior. É bom lembrar que, consoante a Emenda Constitucional nº 132/2023, o Poder Executivo tinha 90 dias, a partir da promulgação da EC, para apresentar um projeto de reforma do Imposto de Renda, acompanhado das correspondentes estimativas e estudos de impactos orçamentários e financeiros.
A reforma tributária será sentida mais pelas empresas do Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional?
JMS: Como a reforma impacta essencialmente os tributos sobre o consumo, não há como segmentar os impactos por regime tributário federal. A reforma tributária afetará a todos, independentemente do segmento de negócios e dos regimes tributários adotados (lucro real, lucro presumido, Simples Nacional).
Os MEIs sentirão os impactos da reforma tributária?
JMS: O MEI – Microempreendedor Individual continuará no regime Simples Nacional, podendo optar pelo recolhimento do IBS e CBS, segundo o regime regular (não cumulativo).
É bom lembrar que a norma regulamentadora estabelece uma nova categoria tributária, que é a do nanoempreendedor (pessoa física empreendedora com receita bruta anual inferior a R$ 40.500,00) que, como regra, não será contribuinte do IBS e da CBS, exceto na situação que opte pelo regime tributário regular (não cumulativo).
Entre indústria, prestação de serviços e comércio, quem vai mais sentir esses impactos?
JMS:Todos os segmentos irão sentir, não há como evitar. Agora, a variação do impacto dependerá do produto ou serviço vendido, e não necessariamente pela atividade-base exercida. Uma indústria farmacêutica pode sentir menos impacto que a indústria automotiva, por exemplo.
Portanto, a mudança é estrutural. Hoje temos ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI. Após a implementação completa da reforma tributária sobre o consumo teremos CBS, IBS e IS. O IPI como regra terá sua alíquota reduzida a zero, mantido este tributo federal no ordenamento jurídico, que incidirá apenas na hipótese de fornecimento de bens que concorram com pessoa jurídica localizada em área incentivada da ZFM – Zona Franca de Manaus.
A competência tributária, as hipóteses de incidência, as alíquotas, a forma de creditamento, os regimes aplicáveis, dentre outras características serão todas diferentes e teremos o Comitê Gestor, o qual funcionará como uma operadora nacional de apuração e distribuição de arrecadação do IBS-CBS.
Quanto à carga final, cada empresa, necessariamente em particular, deverá calcular o impacto final e comparar com a atual tributação incidente sobre o consumo.
Qual o conselho que o senhor daria aos profissionais sobre os trabalhos e os impactos relativos a Reforma Tributária?
JMS: Recomendo aos profissionais se anteciparem o quanto antes em favor das empresas atendidas e estudarem com profundidade as normas, comunicando na sequência as suas diretorias, os grandes impactos da Reforma Tributária, os quais na prática são:
1- Simplificação na Apuração dos Tributos sobre o Consumo (A Nova Era da Declaração Pré-preenchida para os Contribuintes);
2- Mudança Segmentada da Carga Tributária (Diminuição para alguns e aumento para outros);
3- Alteração na Formulação do Preço das Mercadorias ou dos Serviços Vendidos;
4- Custo Relevante de Implementação das Mudanças Tributárias (Transição);
5- Manutenção ou Não de Unidade de Negócios constituída por questão tributária;
6- Reconfiguração ou não do modelo de negócio atual (produtos e serviços oferecidos); e
7- Mudanças na cadeia comercial (destaque para os fornecedores e clientes principais).
Do exposto, é fundamental a empresa diagnosticar com celeridade os impactos da Reforma Tributária sobre o Consumo em suas próprias operações e na sua cadeia comercial, sob o ângulo: (1°) dos processos internos envolvidos com a apuração de tributos; (2°) dos sistemas tecnológicos; (3°) dos recursos humanos; (4°) do cliente; (5°) do fornecedor. Base Legal: EC nº 132/23 .
Esta e outras matérias do seu interesse encontram-se na edição de agosto do Mensário do Contabilista. Acesse: https://www.sindcontsp.org.br/wp-content/uploads/2024/08/Mensario-do-Contabilista-08-2024.pdf