A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tem gerado uma série de repercussões na economia brasileira, influenciando setores de maneira significativa. Um dos principais efeitos é a alteração nas cadeias produtivas globais. Com o aumento das tarifas entre as duas potências, empresas devem buscar alternativas em outros mercados, o que poderá beneficiar o Brasil, especialmente em setores como agronegócio, onde o País é um dos maiores produtores e exportadores.
Para esclarecer o tema, a Revista Mensário do Contabilista, entrevistou, com exclusividade, o especialista Henrique Campos, sócio da área de auditoria contábil da BDO, que nos antecipa que a complexidade das operações pode requerer uma revisão nas práticas contábeis, aumentando a necessidade de uma Contabilidade mais robusta e adaptável às mudanças nas regulamentações e mercados. Além disso, explica Campos, a variação cambial resultante da guerra comercial também impacta a conversão de receitas e despesas em moeda estrangeira, exigindo mais rigor na elaboração de relatórios financeiros.
Acompanhe na íntegra a entrevista:
Quais as consequências dessa guerra comercial para a economia brasileira?
HC – Tal guerra deverá gerar problemas a ambos os países, mas pode respingar nos seus parceiros. E o Brasil tem tanto nos Estados Unidos, quanto na China os principais parceiros comerciais. Então, do ponto de vista das tarifas impostas diretamente aos produtos brasileiros, a alíquota é relativamente baixa (10% em alguns casos), o que gera uma potencial oportunidade. Isso poderia, teoricamente, conferir uma vantagem competitiva em relação a países com tarifas mais elevadas, especialmente em setores onde o Brasil possui capacidade produtiva e qualidade.
Contudo, o impacto transcende as tarifas diretas. A guerra comercial entre EUA e China gera instabilidade e incerteza na economia global. Essa incerteza pode afetar o fluxo de comércio internacional, os investimentos estrangeiros diretos e o crescimento econômico global. Uma possível desaceleração nas maiores economias do mundo inevitavelmente impactará a demanda por produtos brasileiros, mesmo que não diretamente tarifados.
Além disso, a disputa pode levar a um realinhamento das cadeias de suprimentos globais. Empresas multinacionais podem buscar alternativas de produção e fornecimento fora dos EUA e da China, o que poderia representar tanto uma oportunidade quanto uma ameaça para o Brasil, dependendo da nossa capacidade de atrair esses investimentos e nos posicionarmos como um fornecedor confiável e competitivo.
Outro ponto crucial é o impacto nos preços das commodities. Embora o Brasil possa se beneficiar de um aumento de demanda em certos setores devido à menor competitividade de outros países, a instabilidade global pode gerar volatilidade nos preços, dificultando o planejamento e a previsibilidade para os exportadores brasileiros.
O tarifaço apresentado pela Casa Branca afetará as práticas contábeis das empresas brasileiras?
A princípio, as práticas contábeis brasileiras, baseadas no IFRS, não serão diretamente afetadas pelo tarifaço da Casa Branca. Isso porque o IFRS foca na representação fidedigna da posição financeira e do desempenho das entidades. As tarifas de importação e exportação são, essencialmente, custos tributários que impactarão o resultado da empresa.
No entanto, certamente as empresas brasileiras registrarão o aumento dos custos de importação ou terão uma potencial perda de receita de exportação devido às tarifas como parte de suas operações. Tais eventos serão refletidos na Demonstração do Resultado -DRE, reduzindo o lucro tributável e, consequentemente, o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido -CSLL.
No Balanço Patrimonial, o impacto pode ser indireto, afetando o valor de estoques (se os custos de importação aumentarem significativamente) ou contas a receber (se as exportações diminuírem). Portanto, a contabilização em si das transações não se altera fundamentalmente devido ao tarifaço. O que muda é o valor dessas transações e seu impacto no desempenho financeiro.
É importante ressaltar que, sob o IFRS, as empresas também precisam avaliar se esses eventos representam indicadores de impairment de ativos (por exemplo, se a redução da demanda de exportação torna certos ativos não recuperáveis) ou se exigem divulgações adicionais nas notas explicativas sobre os riscos e incertezas decorrentes da guerra comercial que possam afetar significativamente a entidade.
Quais setores da economia brasileira serão mais afetados pela guerra comercial?
Os mais afetados podem ser os setores de “Commodities” agrícolas e minerais, principalmente pelo fato de que os produtores internos nos Estados Unidos, são muito competitivos. No setor agrícola, o Brasil é um grande exportador de soja, milho, carne e outros produtos. As tarifas americanas sobre produtos chineses podem indiretamente afetar a demanda por insumos agrícolas brasileiros utilizados na produção chinesa. No caso da indústria, setores como o automotivo e o de eletrônicos, que dependem de cadeias de suprimentos globais complexas, podem enfrentar disrupções. Portanto, será necessário observar mais atentamente o que ocorrerá nos próximos meses.
Como a Contabilidade brasileira deve se adaptar a essas mudanças?
No que tange aos procedimentos de reconhecimento e mensuração das transações não há um impacto significativo, exceto se houver uma nova regra implantada nas Normas Contábeis Internacionais e para a Contabilidade Fiscal.