Remédios devem ficar mais caros em 2024, por causa do reajuste do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) que será feito por alguns estados brasileiros. Segundo a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), a carga tributária sobre medicamentos no Brasil é hoje seis vezes maior do que a média mundial.
Entenda o caso
Os remédios já têm um reajuste anual fixo, definido pela Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). O reajuste é feito em março com base no IPCA e repõe os custos da indústria e varejo, aumentos salariais, custos com aluguel de lojas e gastos semelhantes, explica Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
No entanto, os medicamentos devem ser submetidos a mais um reajuste. Isso porque 11 estados do país devem aumentar o ICMS em 2024. A justificativa, segundo as unidades federativas, é a queda na arrecadação. Segundo nota técnica com Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) do final de novembro, os estados perderam R$ 109 bilhões de ICMS por conta das mudanças na cobrança do imposto.
A elevação do ICMS acontecerá pelo segundo ano consecutivo na Bahia, no Maranhão, Paraná e Tocantins. O reajuste também entrará em vigor no Ceará, Distrito Federal, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia.
Segundo a Abrafarma, a alta na alíquota irá variar de 1% a 2%, e o aumento será inevitavelmente repassado para o consumidor. Cada estado tem um ICMS, mas as alíquotas variam entre 17% e 22%.
Em nota, a entidade chamou a mudança de “sanha arrecadatória”. Além disso, a entidade destacou que o argumento utilizado pelos estados não considera o consumo de medicamentos e o acesso à saúde. “Enquanto o Brasil experimenta um viés de redução da inflação e dos juros, aliado à aprovação da reforma tributária, esses governos caminham na contramão e demonstram insensibilidade com a população mais pobre”, diz Sergio.
Impostos sobre remédios
A carga tributária sobre medicamentos no Brasil (36%) está seis vezes acima da média mundial, que é de 6%, alerta a Abrafarma. Sergio reitera que o imposto sobre medicamentos é “absurdo” e já estava aumentando nos últimos anos.
Como é um bem essencial para as pessoas, o normal é o imposto ser zero. Quando tem, a média global é 6%. A gente teve uma pequena vitória para os consumidores, e isso é repassado diretamente ao preço [dos medicamentos]: na reforma tributária a saúde foi considerada setor prioritário e a alíquota [do IVA] vai ser 40%. Então a gente vai ter uma redução de 60%.
– Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
A redução da carga tributária sobre medicamentos é uma das principais bandeiras da entidade. Mas Sergio diz que não há predisposição por parte dos estados em atender o apelo do setor.
Leonardo Aguirra de Andrade, advogado tributarista e sócio do Andrade Maia Advogados, explica que há dois fundamentos que podem explicar a decisão. O primeiro é, de fato, uma queda na arrecadação, resultado da decisão do STF de 2022 que definiu alguns setores da economia como essenciais e limitou o ICMS cobrado.
O segundo motivo é explicado pela reforma tributária. O texto previa que a participação de cada estado na distribuição do IBS (Imposto sobre bens e serviços), que vai unir ICMS e ISS, levaria em conta a média do que fosse arrecadado por aquela UF nos quatro anos anteriores (2024 a 2028). “Quanto mais receita o estado tiver, maior o pedaço do bolo que ele pegaria lá na frente. É uma espécie de incentivo para aumentar a arrecadação” explica o advogado.
O ministro Fernando Haddad chegou a dizer que a reforma não justificava um aumento de ICMS. No final de novembro, a Fazenda divulgou uma nota explicando que a reforma mantinha a autonomia para os estados fixarem a alíquota do IBS abaixo ou acima da alíquota de referência. “Caso algum estado julgue que sua arrecadação no período de 2024 a 2028 não reflete adequadamente sua participação histórica no total da arrecadação do ICMS, nada impede que ele eleve sua alíquota do IBS”, diz o comunicado.
No entanto, o trecho foi retirado do texto final aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro. Os critérios de repartição do IBS vão ser definidos por lei complementar. Na ocasião, alguns estados que aumentariam o ICMS acabaram recuando, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Sergio pondera, no entanto, que os outros aproveitaram a oportunidade para aumentar a arrecadação.
O representante da Abrafarma destaca o que seria uma contradição o entre o que é decidido no Congresso e o que é aplicado nos estados. “Tanto deputados [federais] quanto senadores entenderam que o setor de saúde é prioritário e deram tratamento diferenciado na reforma tributária, com uma redução de 60% da alíquota. É o pensamento dos representantes federais, mas deputados [estaduais] e governadores fazem a política local e o pensamento é outro”.
Ele também não acredita que a decisão possa ser revertida, apontando que não há predisposição por parte das UFs em dialogar com o setor. “Só as entidades falam, marcam reunião, debatem com o secretário, vão à assembleia, conversam com governadores, mas não tem mobilização da população para reclamar disso. Acaba sendo uma decisão administrativa que eles tomam”, diz.
Os dados da Abrafarma mostram que a taxa de não adesão aos tratamentos clínicos está em 54% no Brasil, enquanto o índice mundial é de 50%. Com o encarecimento dos medicamentos, a Abrafarma prevê que a taxa aumente — o que terá reflexos no futuro.
Tornar o produto mais caro é piorar a situação. Os estados vão arrecadar mais, infelizmente essa é a visão, uma visão tacanha, eles não param para pensar que isso volta para o próprio estado. A pessoa que abandona o tratamento volta mais grave para o sistema, quem não trata diabetes, quem não trata hipertensão, é quem vai voltar com problema cardíaco. O paciente fica mais caro.
– Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
Fonte: Uol