Nos EUA, reguladores ameaçam considerar maioria das criptos como valor mobiliário; no Brasil, debate deverá se acirrar sobre segregação.
Já se passou mais de uma década desde o surgimento do Bitcoin (BTC) e, ainda assim, o cenário regulatório para criptoativos continua obscuro. No entanto, tudo promete mudar em 2023, após trabalhos que já haviam começado com o boom das criptos de 2021 serem acelerados diante das crises proporcionadas pelo colapso do ecossistema Terra/Luna e pela falência da FTX.
Depois de um dos anos mais agitados em cripto até o momento, o que podemos esperar dos principais reguladores do mercado de cripto nos EUA e no Brasil neste ano? Veja oito coisas que você precisa saber para entender o que os governos estão preparando para o setor.
A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (a SEC) quase dobrou o tamanho de sua equipe voltada para criptoativos no início de 2022 e provavelmente continuará a reforçar as ações em direção ao setor em 2023.
O presidente da SEC, Gary Gensler, acredita que a “grande maioria” dos criptoativos é valor mobiliário. Ele disse que “provavelmente apenas alguns” podem não ser valores mobiliários.
A SEC considera muitos criptoativos como “contratos de investimento”, conceito definido como uma transação ou esquema pelo qual alguém investe dinheiro em uma empresa com uma expectativa razoável de lucros a serem derivados dos esforços empresariais ou gerenciais de outras pessoas.
Durante seu mandato anterior como presidente da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês, reguladora do mercado de derivativos dos EUA), Gensler supervisionou a implementação de novos regulamentos do mercado de swaps. Agora, à frente da SEC, sua abordagem para regular os criptoativos se assemelha à da CFTC para regular os swaps.
No caso das criptos, Gensler “pediu à equipe da SEC para trabalhar diretamente com os empresários para registrar e regulamentar seus tokens, quando apropriado, como valores mobiliários”. No entanto, parece improvável que regras especificamente adaptadas para criptoativos sejam propostas durante 2023.
A visão de Gensler é que quase todos os criptoativos são valores mobiliários e, portanto, a maioria dos emissores e intermediários desses ativos estaria sujeita às mesmas leis e regulamentos que outros emissores e intermediários de valores mobiliários. Gensler pode enfrentar resistência do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, controlado pelos republicanos, em 2023, mas não deve reverter o curso atual.
Gensler enfatizou no passado que os intermediários do mercado cripto, “independentemente de se autodenominarem centralizados ou descentralizados”, devem se registrar na SEC. Isso sinaliza que a agência pode priorizar ações contra intermediários em 2023, o que pode afetar desde corretoras comuns até as que atuam no ambiente DeFi, minando o caráter anônimo desse segmento.
Gensler e a SEC, no entanto, enfrentam pressão da CFTC na disputa por qual dos órgãos deve receber mais poderes para supervisionar os criptoativos. A CFTC tem autoridade limitada sobre criptos, com jurisdição exclusiva sobre derivativos de commodities que se estende, atualmente, apenas a Bitcoin, Ethereum e Tether (USDT).
O presidente da CFTC, Rostin Behnam, solicitou “autoridade clara para impor o regime regulatório tradicional [da CFTC] sobre o mercado de commodities de ativos digitais”. No início deste ano, legisladores bipartidários no Congresso dos EUA apresentaram projetos de lei concorrentes que estabeleceriam um regime de registro de intermediários do mercado cripto supervisionado pela CFTC. É provável que essas discussões sejam retomadas em 2023.
Após os eventos recentes do mercado de criptomoedas, uma lei cripto nos EUA mais abrangente, expandindo a jurisdição da CFTC, pode receber amplo apoio. No entanto, nenhum dos projetos de lei estabeleceria uma linha clara entre a jurisdição da SEC e da CFTC sobre criptoativos.
Gensler acredita que a maioria dos criptoativos são valores mobiliários e Behnam não contestou essa visão. Na verdade, ele defendeu a “responsabilidade compartilhada” entre as agências. Independentemente do que aconteça no Capitólio em 2023, é improvável que a CFTC ganhe jurisdição sobre todos os criptoativos.
A CFTC tem atuado na regulamentação por imposição. Mais de 20% das ações de fiscalização da agência em 2022 envolveram criptoativos, e não é provável que diminua em 2023.
Embora a agência não regule de forma abrangente os mercados à vista de criptoativos, a CFTC começou recentemente a pedir o banimento de algumas plataformas de negociação de criptos. Isso sinaliza que a agência se considera responsável por mercados de criptoativos considerados “não seguros”.
O processo da CFTC contra a organização autônoma descentralizada Ooki DAO ganhou as manchetes este ano porque levantou novas questões legais, como por exemplo: as DAOs são empresas de sociedade anônima e e podem ser notificadas de ações judiciais por meio de chatbots e fóruns on-line? Este é um caso a continuar a observar em 2023.
O Brasil teve enfim o marco regulatório de criptoativos aprovado ao apagar das luzes em 2022, mas a definição concreta das normas que deverão ser seguidas pelos players no setor ainda está longe de chegar.
Dentro dos próximos seis meses, o Banco Central, que deverá ser designado oficialmente como supervisor do setor, deverá comandar a criação das “regras do jogo” sob o guarda-chuva da lei de criptos aprovada, editando normas que vão desde os prazos para concessão de licenças até as exigências específicas para conceder a uma corretora o status de provedora de serviços de ativos digitais regulada.
Só a partir daí é que ficará mais claro quanto tempo poderá levar até que surja, de fato, a primeira exchange com licença para operar no país – e que benefícios o investidor poderá esperar ao dar preferência a uma empresa como essa. Segundo especialistas, poderá levar até dois anos para que isso se torne realidade.
A segregação patrimonial foi um dos temas de discordância entre as empresas de criptomoedas na interlocução com parlamentares envolvidos na formulação da regulação aprovada na Câmara em 2022. Trata-se de um dispositivo jurídico que garantiria ao cliente de uma corretora o direito sobre seus ativos em caso de falência da empresa – como a que aconteceu com a FTX em novembro.
“[Com a segregação patrimonial], a FTX não poderia dispor dos recursos dos clientes, que estariam em contas de depósitos submetidas a determinadas restrições. Na prática, a segregação patrimonial garante que os patrimônios sejam distintos e, diante de uma situação de insolvência, você pode pedir imediatamente a restituição do que é seu”, explicou o professor do Ibmec e do Insper, Isac Costa.
As empresas nacionais perderam a batalha pela inclusão da segregação no marco legal, mas, em 2023, a guerra deve voltar com uma nova correlação de forças graças à adesão do BC, que já mostrou ser favorável à medida.
Fonte: InfoMoney