Com a Medida Provisória (MP) que amplia da faixa de isenção do Imposto de Renda, 10,1 milhões de pessoas devem ficar isentas na declaração de 2024, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). São 3,6 milhões a menos em relação ao total de 13,7 milhões de isentos estimados pela Receita Federal.
Os cálculos da Unafisco foram feitos com base na MP publicada no domingo (30), que altera, a partir desta segunda (1º), a faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.112, além de incluir um desconto mensal de R$ 528 na fonte (entenda a mudança e veja como ficou a tabela). A medida precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para não perder validade.
De acordo com os auditores, a MP deve aumentar o número de isentos dos atuais 8.843.459 para 10.182.415, uma alta de 15%. Até então, a tabela vigente do IR – que não era corrigida desde 2015 –, excluía do pagamento do imposto aqueles que recebiam até R$ 1.903,98 por mês, o equivalente a quase um salário mínimo e meio. O país tem 39.739.161 declarantes.
A Receita Federal já havia divulgado, em fevereiro deste ano, que a mudança proposta iria ampliar para 13,7 milhões o total de pessoas isentas do IR.
Perguntado pelo g1 nesta segunda (após a publicação da MP), o órgão não explicou a diferença em relação aos números divulgados pela Unafisco. Reforçou apenas que “13,7 milhões de contribuintes serão beneficiados com o ajuste na tabela do imposto de renda”.
Disse ainda que, “apesar de toda a restrição orçamentária e do esforço de recuperação das contas públicas, o governo vai atender a população que ganha até 2 salários-mínimos”. E continuou: “assim, empregados, autônomos, aposentados, pensionistas e outras pessoas físicas que recebam até 2 salários-mínimos não serão tributados pelo imposto de renda”.
Para o presidente da Unafisco, Mauro Silva, não há margem para chegar a esse número de isentos, e a projeção de 13,7 milhões do governo é “muito alta”.
“Você não consegue esse tanto de pessoas para dois salários mínimos. Não atinge esse total. Então, houve algum problema no cálculo”, afirma.
O auditor diz que, mesmo somando o número de declarantes por faixa de renda de até três salários mínimos (parcela que já está enquadrada na tributação), o total de declarantes dentro dessas faixas não chega às estimativas do governo federal.
As faixas de declarantes, já considerando a projeção para 2024, são, segundo a Unafisco:
“Até três salários mínimos, você não chega a 13 milhões de declarantes. Imagine, então, considerando apenas os isentos. Não tem a menor chance. A não ser que ocorra um aumento exponencial, e não linear, no número de declarantes”, diz.
Mauro Silva também afirma que o aumento da faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.112 é “muito baixo”. Ele pondera que o desconto mensal de R$ 528 na fonte – e que eleva o total a dois salários mínimos –, conforme a MP, é algo que já existia na declaração anual. A diferença, diz ele, é que o valor passa a ser descontado mensalmente.
“Eles permitiram algo que já existia. Aquela dedução já era prevista, mas seria feita só na declaração anual. Agora, passa a ser feita mensalmente. Então, quando você analisa o ano todo, não houve grandes modificações. A única movimentação foi o aumento para R$ 2.112.”
“Não adianta achar que daria 13 milhões de pessoas citando os dois salários mínimos. Fizeram um estratagema [uma manobra] que chega a dois salários mínimos o bruto. Mas, na base de cálculo, não. Então, não atinge 13 milhões de pessoas. Eu contesto de forma bem incisiva esse número”, conclui.
Em entrevista à TV Globo na segunda quinzena de fevereiro, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, havia explicado que a faixa de isenção seria ampliada para R$ 2.112 a partir de maio, e que quem ganha até R$ 2.640 não pagaria IR a partir do mesmo mês.
Dados da Unafisco também mostram que, até fevereiro, a defasagem acumulada na tabela do Imposto de Renda chegava a 151,49%. A taxa é a diferença entre os R$ 1,9 mil da faixa de isenção e R$ 4.788,40 – valor mensal que seria o teto da faixa de isenção caso a tabela fosse corrigida pela inflação desde 1996, segundo os auditores da Receita.
Ainda de acordo com os auditores, apenas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a defasagem acumulada foi de 31,49%. A correção havia sido uma das promessas de campanha de Bolsonaro em 2018, e se repetiu na corrida eleitoral de 2022. O tema também foi explorado por Lula (PT) na disputa pela Presidência.
Já eleito presidente, Lula voltou a defender a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil em entrevista à apresentadora da GloboNews e colunista do g1 Natuza Nery.
Mauro Silva, da Unafisco, já havia definido como “frustrante” a proposta da MP de alteração da faixa de isenção para R$ 2.112. Isso porque, segundo ele, não repõe nem a inflação e só considera a faixa de isenção.
“É muito pouco. O governo Lula começa cometendo o mesmo erro dos últimos governos”, diz. “Quem continua pagando fortemente as políticas públicas é a classe média, que ganha cinco salários mínimos. Dos 39 milhões de declarantes para o ano que vem, bem mais da metade está nessa faixa.”
De acordo com os cálculos de Mauro Silva, a mudança proposta para a faixa de isenção deve beneficiar em R$ 15,60 cada pagante do IR. “É um pão na chapa”, exemplifica.
Trata-se de um cálculo que considera a sistemática de funcionamento da tabela do IR – e que se reflete na parcela a deduzir. Mauro explica que a mudança proposta, mesmo sendo apenas na faixa de isenção, causa um efeito cascata, atingindo igualmente todas as faixas.
Tabela do IR acumula defasagem de 151,49%; simulação mostra isenção com base em proposta do governo — Foto: Arte/g1
A defasagem da tabela leva pessoas com poder de compra cada vez menor para a base de contribuição – ou seja, há cada vez mais pessoas obrigadas a pagar imposto, já que os salários tendem a subir para corrigir a inflação (ou parte dela), enquanto a tabela do IR segue igual.
Como consequência da falta de correção da tabela, contribuintes também pagam uma alíquota cada vez maior em relação aos anos anteriores, já que reajustes salariais (ainda que, em muitos casos, abaixo da inflação) podem fazer com que a pessoa entre em outra faixa de renda da tabela do IR.
A arrecadação federal com imposto de renda para o ano-calendário 2023, Exercício 2024, estava estimada pelos auditores em R$ 408,59 bilhões antes da alteração na faixa de isenção. Vale lembrar que qualquer correção da tabela representa uma perda de arrecadação para o governo.
A Unafisco estima que a alteração proposta pelo governo federal deve reduzir o montante em cerca de R$ 4 bilhões – considerando que a medida passa a valer em maio –, chegando a, aproximadamente, R$ 404 bilhões.