A onda de calor fez o Brasil a bater dois recordes seguidos de consumo de energia e levou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a criar uma espécie de força-tarefa para dar conta da demanda, com o uso dos reservatórios de hidrelétricas, termelétricas a carvão, a gás e a diesel, além de importação de energia de países vizinhos, como Uruguai e Argentina.
O ONS destacou a oferta de importação de Uruguai e Argentina. A compra de energia dos dois países chega a 2.700 MW. Ontem, a importação somou 800 MW.
Falhas no Rio e em SP
Segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil tem alcançado níveis recordes de consumo e oferta de energia por causa da onda de calor. Ele destaca que, antes mesmo do início do verão, o país precisou recorrer a termelétricas a carvão e a gás. Essa é uma forma de poupar o uso dos reservatórios:
— No pico, ultrapassamos os 100 mil MW, mas na média do dia foi na faixa dos 80 mil MW, acima dos 76 mil MW da semana passada. Por isso, as térmicas a carvão estão sendo acionadas pela primeira vez em dois anos. E isso deve continuar. As térmicas a gás foram acionadas para ajudar a poupar água dos reservatórios, que é o que está segurando o maior consumo de energia.
Apesar do maior consumo, ele diz que a oferta está em um patamar confortável devido ao elevado nível de reservatórios. O sistema Sul está em 87,04%, seguido de Centro-Oeste/Sudeste (66,7%), Nordeste (58,5%) e Norte (52,2%).
— Se estivéssemos com o problema de seca de 2021, estaríamos em um caos. O calor aumenta os riscos para o sistema elétrico, pois o maior consumo está localizado em Rio, São Paulo e Centro-Oeste. Quando se aumenta o tráfego de energia para esses locais, o sistema fica sobrecarregado — diz Santana.
Na segunda-feira, 18 cidades do Rio ficaram sem luz. Segundo o ONS, houve falha em uma subestação. Ontem houve falta de energia em bairros de São Paulo e 28 cidades do interior com o desligamento de uma subestação de Furnas, que informou ter tomado todas as medidas necessárias para a normalização. Ontem, na CPI da Enel na Alesp, a energia caiu temporariamente dutante a audiência que ouvia o presidente da empresa. A distribuidora afirmou que a falha não tem relação com a empresa.
Marcelo Habibe, diretor financeiro da Eneva, lembrou que o pedido do ONS para ligar as térmicas a gás no Complexo do Parnaíba, que somam 1.800 MW de capacidade, além de outra térmica a gás no Ceará, com 350 MW, foi feito no domingo. Na segunda-feira, o ONS pediu para acionar as usinas a carvão da empresa. A companhia tem duas usinas a carvão, que somam 700 MW no Ceará e Maranhão:
— Foi a primeira vez que as usinas a carvão foram acionadas desde a última crise hídrica, no fim de 2021. De lá para cá, ligávamos as usinas apenas para exportar energia para os países vizinhos, mas não para o consumo no Brasil. As usinas vão ficar ligadas até sexta-feira.
/O acionamento das térmicas é feito de acordo com o preço, do menor para o maior. Se chover menos do que o previsto no período úmido, que começa em meados deste mês, o operador pode ser obrigado a acionar mais termelétricas, o que tem impacto também no custo da energia elétrica.
Segundo fontes, a Petrobras acionou suas usinas térmicas. A empresa não comentou o assunto. A EDP informou que a térmica de Pecém (a carvão) está à disposição do ONS.
“Calor eleva risco de falha”
Segundo Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Agêneel e ex-presidente da Light, o desafio do sistema elétrico do Brasil é atender a momentos de alta demanda, os chamados picos de consumo. Segundo ele, como as fontes solar e eólica não geram energia o tempo todo, o desafio é que as usinas hidrelétricas não podem ter flutuações de geração para compensar essas variações de forma constante. A análise consta do último relatório Energy Report, da consultoria PSR.
— É preciso investir em baterias e em usinas reversíveis para aumentar a segurança do sistema. Do lado da transmissão, é preciso reforçar redes para aguentar mais momentos de pico de consumo, investir em redes subterrâneas. O calor eleva riscos de falha.
O ONS disse que “o sistema interligado nacional é robusto, seguro, possui uma ampla diversidade de fontes.”
Fonte: Folha de Pernambuco