A Medida Provisória que eleva a faixa de isenção do Imposto de Renda também unifica a tabela do imposto cobrado sobre os investimentos no exterior, ponto questionado pelos tributaristas.
Tributaristas que participaram de reunião do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) defenderam ajustes no texto da MP 1.171, que altera, entre outros pontos, a forma de tributar investimentos no exterior de pessoas físicas residentes no Brasil.
Na visão dos especialistas, o governo federal superestimou o montante que pode sofrer tributação com as novas regras. Na exposição de motivos que acompanha o texto da MP, estima-se a existência de R$ 200 bilhões em investimentos fora do país, passíveis de tributação.
Em linhas gerais, brasileiros que possuem contas no exterior, qualquer tipo de investimento, ou que sejam controladores de empresas situadas em países com tributação favorecida ou sejam empresas que tenham renda não decorrente de atividade empresarial, além dos chamados trusts – instrumentos de proteção e gestão patrimonial -, passam a ser obrigados a fazer uma declaração de todos os investimentos no exterior e apresentá-los à Receita Federal a partir de 1° de janeiro de 2024.
A MP também criou para os contribuintes a oportunidade de atualizar o valor de seus bens e aplicações mantidas fora do Brasil. Quem optar por isso, terá que pagar cerca de 10% do valor consolidado do lucro do bem declarado.
A medida prevê a tributação da renda auferida por pessoas físicas em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts em 15% sobre os rendimentos anuais entre R$ 6 mil e R$ 50 mil e de 22,5% sobre a parcela dos rendimentos que ultrapassarem esse valor.
Pelos cálculos apresentados pela tributarista Ana Cláudia Utumi, palestrante do evento do Caeft no último dia 5, com as novas regras, rendimentos mensais de até US$ 830 já serão tributados pela alíquota máxima. Hoje, é aplicada alíquota de 15% para renda de até R$ 5 milhões por ano. Na prática, explicou, é a alíquota adotada na maior parte das situações.
“Nas aplicações diretas no exterior haverá uma melhora no momento da apuração, que passará de mensal a anual, mas vai piorar em termos de alíquota, pois será aplicada a de 22,5% quando o rendimento ultrapassar US$ 830 por mês”, disse..
Em relação à tributação dos lucros auferidos por empresas controladas, com as novas regras, a alíquota cairá de 27,5% para 22,5%, a mesma aplicada para as empresas brasileiras, mas haverá a desvantagem em relação ao momento da tributação, fixado em 31 de dezembro de cada ano.
Pelo texto da MP, prejuízos não poderão ser compensados com os lucros futuros. Na avaliação da especialista, essa vedação é preocupante, pois quem terminar esse ano com prejuízo ficará impedido de realizar a compensação.
“Essa questão já foi levada para a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, pois no caso de prejuízos auferidos no final deste ano e de lucros no ano seguinte, configura-se recomposição de patrimônio, ou seja, não é lucro a ser tributado”, explicou.
PECULIARIDADES
Na avaliação da tributarista e especialista em planejamento sucessório Elisabeth Levandowski Libertuci, a MP foi redigida sem um estudo aprofundado sobre as peculiaridades dos contribuintes que investem no exterior. É preciso fazer distinções entre as pessoas físicas que mantêm recursos no exterior.
Há quem prefira, por exemplo, que a sucessão aconteça no exterior por conta dos litígios comuns que ocorrem no Brasil. Também podem ser herdeiros de pessoas físicas que possuem recursos no exterior, executivos estrangeiros transferidos ao Brasil por tempo determinado ou, ainda, pessoas físicas que usam o exterior para ocultar crimes.
“Os contribuintes que optam por investimentos fora do Brasil nem sempre são especuladores. Em geral, são atraídos por investimentos de longo prazo e baixo risco e pretendem manter recursos fora do País para usufruir na aposentadoria. Ou seja, o lucro gerado não é tão expressivo como se imagina”, analisou.
Para a especialista, há um limite para a tributação no exterior, que é muito menor do que a expectativa da Receita Federal. Na sua avaliação, o valor estimado de R$ 200 bilhões no exterior que se pretende tributar não é somente o patrimônio, mas acrescido de lucro.
Ao questionar a aplicação prática do texto da MP, a tributarista chamou a atenção para os impactos futuros das mudanças propostas pelo governo. “Todos os países que implementaram regras para esse tipo de tributação tiveram aumento do contencioso tributário. Então, se a ideia é a simplificação e reduzir litígios, o texto deveria ser mais simples do que se apresenta”, recomendou.
Publicada em 30 de abril, a MP 1.171 tem prazo de 120 dias para ser votada e ainda não foi formada a comissão mista para discutir o texto. Na hipótese de caducar, de acordo com Ana Cláudia Utumi, há um acordo informal entre governo e Legislativo para que se aprove somente a atualização da tabela progressiva de tributação. Neste caso, o conteúdo da MP será transformado em projeto de lei.
“Seja ou não votada, é preciso realizar um trabalho junto ao relator para expor os pontos mais polêmicos e promover os ajustes necessários ao texto”, concluiu a tributarista.
Fonte: Diário do Comércio