O mecanismo, que abre espaço para uma maior conformidade fiscal no ambiente de negócios brasileiro, exige também planejamento das empresas
Por Ralf França
Na esteira das transformações trazidas pela reforma tributária, um dos eixos centrais envolve a busca pela implementação efetiva do princípio de não cumulatividade – ou seja, da não cobrança dupla sobre um determinado imposto –, fato que, ao longo das últimas décadas, se coloca como um dos grandes desafios de nosso complexo e oneroso sistema tributário.
E, um dos mecanismos introduzidos pela Emenda Constitucional 132/23 para tanto envolve o “split payment”, utilizado no contexto fiscal de diferentes países da Europa e que, basicamente, consiste na divisão, a partir do qual o pagamento dos tributos é feito de modo direto, no momento e sobre o valor de uma operação financeira.
O modelo seria utilizado para o recolhimento tanto do CBS quanto do IBS e, em pronunciamento recente de Daniel Loria, diretor da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária, o split payment deve ser aplicado em todas as operações financeiras com cartão, boleto ou PIX – a exceção fica aberta, nesse sentido, para transações em dinheiro ou cheque.
Ainda sobre a infraestrutura do split payment, já há discussões no Banco Central para a sua implementação, ao passo que, a partir desta lógica, em uma transação com fornecedores, por exemplo, o valor da venda de um insumo já viria líquido dos tributos, fator que traz toda uma nova dinâmica para os fluxos comerciais no país.
Mas qual o real efeito dessa transformação? No plano do recolhimento de tributos, há, claramente, um ganho em termos de eficiência, uma vez que a sistemática reduz as possibilidades de fraude e sonegação fiscal ainda comuns dentro da dinâmica atual de pagamento de impostos posterior à venda de mercadorias.
Ademais, para as empresas, há um possível benefício no tocante a conformidade fiscal e governança, a partir, por exemplo, de uma simplificação no processo de comprovação do recolhimento dos tributos de uma empresa.
Todavia, novos desafios se colocam e o principal deles envolve um impacto direto na formação de capital de giro e liquidez das empresas, uma vez que, como supracitado, o custo fiscal das operações financeiras será cobrado de modo direto e pode trazer prejuízos para o fluxo de caixa das organizações.
Além disso, há um possível custo expressivo para o sistema financeiro para a implementação do split payment, já que os bancos serão responsáveis pela separação dos valores destinados à máquina pública.
A própria Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária reforçou esse risco e se colocou aberta para discutir formas de compensação para as empresas, considerando que os detalhes do novo sistema ainda estão sendo debatidos.
Mas o fato objetivo que já se coloca é o de que será necessária uma adaptação estratégica das organizações neste novo ambiente tributário ainda em construção. O split payment traz, potencialmente, uma transformação disruptiva na dinâmica das transações comerciais do país e, para se manterem competitivas, será preciso se preparar para que o custo da não cumulatividade e da simplificação no recolhimento da CBS e do IBS não se torne um ônus para o bolso do contribuinte.
*Ralf França é Sócio Especialista em Planejamento Tributário no Ferreira & Vuono Advogados. Pós-Graduado em Direito Tributário, possui mais de 14 anos de carreira, lidando diretamente com temas como Regimes Tributários, Proteção Patrimonial, Sucessório, Holdings, dentre outros.